segunda-feira, 16 de julho de 2012

Laerte Cross-dresser?


UM CARTUNISTA VAI A LUTA



Laerte Coutinho: pai e mãe dos Piratas do Tietê


Eu já tinha visto ele em um programa de TV, mas realmente não tinha acreditado. Laerte Coutinho, o meu ídolo de adolescência, literalmente travestido de mulher? Sim, era ele.

Poxa, não é todo dia que você abre o seu jornal ou liga a TV e se depara com um dos mais criativos quadrinistas, cartunistas e chargistas brasileiros todo emperiquitado como uma mulher da cabeça aos pés.

Foi decididamente um tremendo impacto visual. Ele ostentava um cabelo chanelzinho básico, um saltão de dar inveja a Betty Boop, calça justa, blusa com decote, brincos e um leve batom nos lábios. Das primeiras vezes, tentei me beliscar para ver se era verdade, depois achei que era melhor deixar para lá.

Mas toda vez que topava com o parceiro dos também cartunistas Glauco e Angeli, criadores das deliciosas histórias protagonizadas por Los Três Amigos, ficava incomodado. Não dava para acreditar que Laerte decidisse mesmo aderir ao universo do travestismo ou crossdressing.

Na prática são indivíduos que se vestem ou usam objetos do sexo oposto para vivenciar uma faceta feminina, no caso dos homens, ou masculina, para as mulheres, seja por motivos profissionais ou para obter gratificação sexual, entre outros.

O movimento, por assim dizer, também não está relacionado à orientação sexual, sendo que o crossdresser pode ser heterossexual, homossexual, bissexual ou assexual. O também chamado CD não está relacionado com a transexualidade.

Como eu disse, aquilo era simplesmente um incômodo visual para minhas retinas. O negócio piorou quando se alastrou para o universo das idéias, complicando o meio de campo da minha massa encefálica. De repente, estava absorvido pelo autor dePiratas do Tietê, magnetizado por seus pensamentos, que jogaram por terra as minhas próprias certezas de como me relaciono com o mundo. 

Tentei me distanciar daquela figura andrógena, manter os olhos em outra direção, mas me senti na obrigação de ouvi-lo. Rendido, pude assim absorver sua mensagem. Refletir.

Laerte decidiu transpor as barreiras entre o feminino e o masculino, a razão e o sentimento, o real e o imaginário. Era como se ele implodisse o entendimento de um tema caro a humanidade: a sexualidade – não confundir com genitalidade, ok? O que nos difere entre homens e mulheres, mas ao mesmo tempo nos une.

A simples presença do cartunista na mídia parece ter um peso questionador nesta sociedade cada vez mais estruturada por escaninhos ideológicos, sentimentais, financeiros, sexuais, sociais e políticos. Não há nada de utópico aqui. É apenas uma postura do artista diante da linearidade previsível da nossa highway do real.

O cartunista pode não mudar as coisas, mas é com certeza um imenso ponto de interrogação que sacode as estruturas dos padrões de comportamento. Sua sombra é a afirmação de alteridade diante do lugar comum, que escapa aos pré-conceitos dos catalogadores de plantão. Significa transgredir, fazer pensar.  

Laerte não quer ser mulher, quer ser ele, quer romper tabus e códigos restritos, quer deixar vir à tona um pouco da sua obra. Será a vida imitando a arte? Que seja. Para o cartunista, importa mesmo é deixar fluir a anarquia, o surreal, o lúdico, o onírico contido nos seus personagens e desenhos, a fim de se relacionar com a vida.

Buscando ir além da dialética entre o feminino e o masculino, ele quem sabe nos ensine a ser mais homens e mulheres quando amamos, sofremos, construímos algo em favor da vida. Não é uma questão de gênero, embora cada um de nós tenha uma identidade própria como seres humanos, mas de liberdade.  

Meu chapa não é todo dia que um senhor de 59 anos – essa é a idade de Laerte, decide ir à luta mais uma vez. O exemplo serve também para que arregacemos as mangas e corramos atrás dos nossos sonhos e desejos. Qual é o seu? 





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