terça-feira, 8 de janeiro de 2013

“A impunidade leva à irresponsabilidade”


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Entrevista: Carlos Cateb/advogado especialista em trânsito

O advogado mineiro Carlos Cateb, especialista na área de trânsito, participou das discussões que levaram à elaboração do Código de Trânsito Brasileiro nos anos 1990. Para Cateb, a lei não alcança o efeito esperado pela população devido a problemas como a morosidade para o julgamento dos réus e o tamanho das penas previstas na legislação brasileira. Confira trechos da entrevista concedida por telefone a ZH:

Zero Hora – Por que é tão difícil prender quem mata no trânsito?

Carlos Cateb – Muitos crimes de trânsito prescrevem antes do julgamento no Brasil. Me parece haver uma insensibilidade no Judiciário brasileiro, ou relevam a segundo plano os crimes de trânsito, porque não aceito o argumento de que tem muito processo. No Brasil, a situação do trânsito é clamorosa e vergonhosa pelo número de pessoas que morrem a cada ano, e não tem ninguém preso.

ZH – Só o Judiciário é responsável por isso?

Cateb – Os governos estaduais também são responsáveis, porque o Judiciário reclama que tem muito processo e pouco juiz. Não são instaladas novas varas judiciais, são disponibilizadas verbas para um trabalho mais eficiente. Aqui em Minas há comarcas sem juiz há mais de ano. Cada juiz trabalha em média com 5 mil, 6 mil processos. Então não adianta dizer aos motoristas para pararem de correr, tem de dar estrutura.

ZH – Qual o prazo para prescrição desse tipo de crime?

Cateb – A prescrição varia conforme os atenuantes ou agravantes, se tinha ou não habilitação, se estava embriagado. O problema é que o Código de Trânsito, na época da sua elaboração, saiu da Câmara com uma punição razoável, mas foi atenuado no Senado. Tirou a possibilidade de tipificar o crime de trânsito como doloso. O tribunal do Rio Grande do Sul tem uma posição interessante. No Rio Grande do Sul, no Paraná, em Minas e em algum outro lugar se aceita o dolo eventual. Para mim, todo caso em que há homicídio ou lesão corporal grave e o motorista estiver embriagado tinha de ser enquadrado como dolo eventual.

ZH – Que mudanças são necessárias na lei?

Cateb – Tem de alterar a pena no Código de Trânsito, que hoje vai de dois a quatro anos para o crime normal (culposo). Com agravantes, como a embriaguez, equipararia ao homicídio no Código Penal, que vai a 20 anos de reclusão. Aí seria muito mais difícil prescrever. A impunidade é muito grande. Aqui em Minas, tivemos uns dois ou três que ficaram presos por um período. A certeza da impunidade leva à irresponsabilidade.

ZH – Mesmo quando há julgamento, é difícil que o criminoso fique preso. Por quê?

Cateb – Uma punição curta permite cumprir a pena em regime semiaberto, ou pagar 10 cestas básicas para compensar a vida de uma pessoa. Como o filho daquele ex-ministro gaúcho (Odacir Klein), que pagou cestas básicas (após atropelar e matar um pedreiro com o carro em que se encontrava acompanhado pelo pai, em 1996). Em um país sério, daria no mínimo 10 anos de cadeia. Temos de ter mais seriedade.
BALANÇO DO CTB
PEGOU
Confira alguns dos dispositivos da lei que ganharam espaço nas vias públicas – e outros que não conseguiram dar a partida:
Cerco ao álcool
Desde que entrou em vigor o novo código, a lei brasileira vem apertando o cerco à embriaguez ao volante. Em 2008, a chamada Lei Seca apertou a fiscalização. Porém, muitos condutores escapavam à fiscalização ao se negar a soprar o bafômetro. Este ano, foi sancionada uma nova norma que dobrou a multa por dirigir bêbado e passou a admitir outras provas, como vídeo e testemunhas, para configurar o crime.
Formação
dos condutores
O processo de formação dos novos condutores ficou mais rigoroso. O curso teórico, com carga horária de 30 horas, incluiu noções de trânsito seguro, primeiros socorros e proteção ao ambiente. Além disso, se passar nos exames teórico e prático, o motorista recebe uma permissão para dirigir – que será substituída pela carteira definitiva apenas se não cometer infração grave, gravíssima, ou mais de uma infração média em um ano.
Uso do capacete
Até o CTB entrar em vigor, muitos motociclistas desprezavam o uso obrigatório do capacete. A nova lei multiplicou a multa pelo descumprimento da norma em quase quatro vezes e incluiu a suspensão do direito de dirigir como pena. Depois disso, o equipamento de segurança se tornou constante em ruas e rodovias.
NÃO PEGOU
Kit de primeiros socorros
Em 1999, uma resolução do Contran obrigou os motoristas a levarem um kit de primeiros socorros no carro. A embalagem continha materiais pouco úteis para atender uma vítima de acidente – e muito menos nas mãos de leigos. Depois de críticas, a determinação foi anulada.
Inspeção veicular
O CTB estabeleceu inspeção veicular de rotina a fim de checar itens de segurança e controlar a emissão de poluentes – mas ainda não virou realidade no país. No Estado, a medida esbarra na impopular cobrança de mais uma taxa para a oferta do serviço.
Multa para pedestre
Uma das iniciativas mais insólitas da nova lei prevê a possibilidade de aplicar multa a quem anda a pé. O pedestre que atravessa a via em local inadequado, por exemplo, deveria ser multado em 50% do valor de uma infração leve. O problema, ainda sem solução, é como aplicar a multa na prática.
Cinto no banco de trás
O uso do cinto de segurança nos bancos da frente dos carros disseminou-se. No de trás, onde é mais difícil verificar o descumprimento da regra e há uma maior ilusão de segurança, ainda é comum encontrarem-se passageiros desprotegidos.

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