O CAÓTICO E OUSADO BATMAN DE PAUL POPE
O Jim Morrison dos qua­dri­nhos inventa o Batman cem anos no futuro para falar de opres­são, tec­no­lo­gia e vio­lên­cia.
por Paulo Floro
Prometido para dezem­bro de 2006, mas só agora lan­çado, Batman Ano 100, do norte-americano Paul Pope é a mais ousada obra dos qua­dri­nhos do Cavaleiro das Trevas. Em 2039, Gotham City é domi­nada por uma polí­cia san­gui­ná­ria e a vigi­lân­cia é tama­nha. Não há heróis. Neste uni­verso, Batman tenta des­ven­dar uma trama ter­ro­rista que pre­tende des­truir a cidade, vindo da pró­pria polí­cia. Vendida como uma das mais impor­tan­tes his­tó­rias do Homem-Morcego,Batman Ano 100 está longe de ser um Cavaleiro das Trevas de Miller, mas se des­taca em quase tudo que foi lan­çado com o Batman recentemente.
Escrita e dese­nhada por Paul Pope, a série sofreu um enorme hype quando foi lan­çada nos Estados Unidos no meio do ano pas­sado. Pope ja tinha feito outros tra­ba­lhos, mas nenhum tão gran­di­oso quanto essas 200 pági­nas de Ano 100. Com isto, este autor de 35 anos, atinge o mains­train dos qua­dri­nhos ian­ques, após rom­per a bar­reira que separa os artis­tas cult dos des­co­nhe­ci­dos. Com sua série THB (tam­bém com uma rou­pa­gem cyber­punk), adqui­riu fãs no under­ground, mas aca­bou ganhando prê­mios Eisner e o cari­nho (tal­vez até dema­si­ado) da crí­tica. Após Batman Ano Cem, pode ter entrado no hall dos gran­des auto­res de qua­dri­nhos. Nascido na Filadélfia em 1972, era um nerd inve­te­rado, joga­dor de Dungeons e Dragons e um insone dese­nhista. Quem olha pra ele pensa se tra­tar de um voca­lista de alguma banda de rock inglesa, mas tal­vez não tenha sido isso que o fez rece­ber a alcu­nha de “Jim Morrison dos qua­dri­nhos”. Jovem, Pope já pro­du­ziu obras que o apro­xi­mam de seus mai­o­res ídolos. Com um estilo que mis­tura man­gás e qua­dri­nhos euro­peus, sabe bem uti­li­zar de suas refe­rên­cias para criar obras caó­ti­cas que tra­tam de perda das indi­vi­du­a­li­da­des, ter­ror psi­co­ló­gico e vio­lên­cia. Seu 100%, feito para o selo Vertigo da DC Comics, já foi até lan­çado por aqui pela Opera Graphica e mos­tra um futuro de dan­ças esqui­si­tas e gan­gues, tudo numa nar­ra­tiva bri­lhante. Seus outros tra­ba­lhos per­ma­ne­cem iné­di­tos, com exce­ção, além dos já cita­dos, uma his­tó­ria incluída no enca­der­nado Batman Preto e Branco. Os anos que pas­sou tra­ba­lhando para a Kodansha, uma das mai­o­res edi­to­ras de man­gás do mundo, aju­da­ram a for­mar seu estilo, que ainda mes­cla influên­cias de outros auto­res como Alex Toth, Hergé, Daniel Torres, Bruno Premiani, Jack Kirby e Silvio Cadelo. No momento, Pope pla­neja pas­sar o resto de sua car­reira tra­ba­lhando em um pro­jeto para sua série THB, com mais de 2 mil pági­nas, mos­trando Marte, no futuro, onde huma­nos e máqui­nas mutan­tes con­vi­vem. No seu loft em Nova York (pra onde se mudou em 1998), Pope, recebe ami­gos e jor­na­lis­tas, sem­pre de madru­gada, onde volta e meia dá uma parada para ir à um café. Na frança ele é conhe­cido como Jim Morrison das hq’s, ou ainda o Pequeno Príncipe, nos Estados Unidos, de Comics Destroyer. Para Pope, tudo isso faz parte de ser um astro dos comics, ape­sar de um pouco inesperado.
Morcegão Transtornado
Mas entrar no mundo mili­o­ná­rio do Batman o jogou com força no pri­meiro time de cri­a­do­res. Seu tra­ba­lho, no entanto mos­tra uma visão do Batman ousada e cri­a­tiva, que mes­cla refe­rên­cias do cinema dos anos 1940, artes plás­ti­cas e polí­tica. Sempre com más­cara, o Batman de Pope san­gra, se cansa, come, sua, dorme. Seu uni­forme lem­bra muito o uni­forme do iní­cio dos anos 1930, quando o herói foi cri­ado. Um herói retrô num mundo futu­rista. A soci­e­dade opres­sora ima­gi­nada por Pope é mais per­versa e peri­gosa do que a de Frank Miller em Batman — O Cavaleiro das Trevas (1984), além do Homem-Morcego ser bem mais ame­a­ça­dor aqui neste Ano 100. Pope tenta mos­trar uma outra face do mito, um Batman que dis­pen­sando tan­tos apa­ra­tos tec­no­ló­gi­cos, se tor­nou um mons­tro, quase um ani­mal. Quando está de uni­forme, quase não temos diá­lo­gos do per­so­na­gem, é pra­ti­ca­mente um ani­mal. Sua fisi­o­no­mia tam­bém muda, às vezes colo­cando den­ta­du­ras afi­a­das para ficar ainda mais assus­ta­dor. Na sua visão, este é o Batman que repre­senta o fim das espe­ran­ças, o esgo­ta­mento da jus­tiça, repre­sen­tado com força pelos super-heróis DC. A amé­rica de 2039 é opres­sora e vio­lenta, bem dis­tante da terra da espe­rança da América atual. Como toda obra de Pope, o futuro é uma ver­são dis­tó­pica do cená­rio mun­dial atual. Sobretudo para cri­ti­car a perda das indi­vi­du­a­li­da­des, da tec­no­lo­gia como iní­cio e fim, e da opres­são do Estado. “Este meu Batman é uma res­posta aflita aos medos que mui­tas pes­soas têm em rela­ção a even­tos mun­di­ais. Ele é um super-herói em estado de sítio.”, afir­mou Pope. Como alguém que vê um futuro muito som­brio para a soci­e­dade, Pope des­car­re­gou suas ansi­e­da­des nesta sua obra, que se não é sua obra-prima é um grande alento de cri­a­ti­vi­dade na indús­tria das comics americanas.
A edi­ção da Panini é econô­mica e prá­tica, em papel pisa brite que fez dimi­nuir o preço. Cada edi­ção com­pila duas edi­ções da série ori­gi­nal.A edi­tora tam­bém fez um ótimo aca­ba­mento com os extras, que remete à outro ponto impor­tante do tra­ba­lho de Pope neste Batman: Ano 100, que são as refe­rên­cias ao Batman de Bob Kane e o de Frank Miller. Neste pri­meiro número temos notí­cias no que parece ser um jor­nal, mos­trando fatos impor­tan­tes da trama, exa­ta­mente como Miller fez com os noti­ciá­rios tele­vi­si­vos em Cavaleiro das Trevas. De Bob Kane, Pope se ins­pi­rou no uni­forme, que mes­cla mais tecido do que bor­ra­cha, o que torna o per­so­na­gem mais assus­ta­dor. Na ver­dade o Batman dos anos 1930–40 era bem mais assus­ta­dor dos que os anos seguin­tes con­so­li­da­ram. Este espí­rito foi res­ga­tado por Pope nesta série das trevas.
BATMAN ANO 100
Paul Pope (texto e arte)
[Mini-Série em 2 edi­ções, Panini, R$6,90]
NOTA:: 9,0
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